UM CHEIRO DE MAR, by Roberto Costa
Em 69, a mala na mão e o diploma de Direito, fixei-me em minúscula
cidade do norte do Paraná para iniciar a aventura da vida. Quem conheceu
esta ilha em 69 pode imaginar o paraíso que aqui deixei.
A
cidade, que dizíamos nossa, realmente pertencia-nos, a nós, manés. As
praias, ainda limpas, também, a paz e a segurança, o Pasto do Bode, o
Avaí. Parti, então. Os amigos dos papos literários ficaram, os da bola
nos fins de semana, os da política, dos filmes.
A
pequena cidade paranaense era também uma ilha, perdida ilha num oceano
de pés de café, verdes os horizontes. Imóvel algum na cidade erguia-se
acima do primeiro andar.
Imagine-se
acordar pela manhã, sair à rua e perceber-se solitário, sem poder
entabular uma boa conversa, as pessoas reduzidas à cultura daquele seu
pequeno mundo, na cabeça pouco mais que o chapéu de palha, da boca pouco
mais saía além da fumaça do palheiro. No primeiro dia, solitário no
quartinho do único hotel, temi por um AVC.
Maringá
era razoavelmente perto. Sufocado, um dia, viajei à Maringá. Maringá
tinha praças, cinemas, trânsito, povo na rua. Não se comparava à ilha
maravilha, mas respirei algum ar de civilização em Maringá. Beleza,
Maringá tinha livrarias, supri-me de livros, romances, contos, perfeitos
companheiros para solitários.
Quarenta e
cinco dias foi o quanto meu corpo e minha alma conseguiram suportar sem
apelar para algum refrigério. Quarenta e cinco dias de exílio. Então não
resisti, entrei num ônibus disposto a rever de novo, por uns dias, a
ilha, abeberar-me de sua magia. E vim, pela noite, Rodovia do Café,
cortando o Paraná, e varei a madrugada, BR 101, cortando o solo de
Santa Catarina.
Dormia no banco desconfortável
do ônibus e fui acordado quando alguém, dois bancos à frente, anunciou:
Barra Velha, ao mesmo tempo em que abria uma janela. Barra Velha era a
certeza do mar próximo, então uma lufada de vento tomou-me de assalto,
invadiu-me pelas narinas, foi ao cérebro, aos pulmões, ao coração,
tenho certeza de que chegou aos dedos dos pés.
Não
era um vento comum, aquilo: era uma maresia amiga, salutar. Era o
cheiro litorâneo, de mar, de sal, era a substância da alma que aqui
ficara e que de novo se incorporava em mim e me nutria e me fazia vibrar
de vida e de alegria. Controlei-me, não ficaria bem um homem chorar em
público. A gente acreditava nessas coisas, naquele tempo.
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