segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

UM CHEIRO DE MAR, by Roberto Costa

Em 69, a mala na mão e o diploma de Direito, fixei-me em minúscula cidade do norte do Paraná para iniciar a aventura da vida. Quem conheceu esta ilha em 69 pode imaginar o paraíso que aqui deixei.

A cidade, que dizíamos nossa, realmente  pertencia-nos, a nós, manés. As praias, ainda limpas, também, a paz e a segurança, o Pasto do Bode, o Avaí. Parti, então. Os amigos dos papos literários ficaram, os da bola nos fins de semana, os da política, dos filmes.

A pequena cidade paranaense era também uma ilha, perdida ilha num oceano de pés de café, verdes os horizontes. Imóvel algum na cidade erguia-se acima do primeiro andar. 

Imagine-se acordar pela manhã, sair à rua e perceber-se solitário, sem poder entabular uma boa conversa, as pessoas reduzidas à cultura daquele seu pequeno mundo, na cabeça pouco mais que o chapéu de palha, da boca pouco mais saía além da fumaça do palheiro. No primeiro dia, solitário no quartinho do único hotel, temi por um AVC.

Maringá era razoavelmente perto. Sufocado, um dia, viajei à Maringá. Maringá tinha praças, cinemas, trânsito, povo na rua. Não se comparava à ilha maravilha, mas respirei algum ar de civilização em Maringá. Beleza, Maringá tinha livrarias, supri-me de livros, romances, contos, perfeitos companheiros para solitários. 

Quarenta e cinco dias foi o quanto meu corpo e minha alma conseguiram suportar sem apelar para algum refrigério. Quarenta e cinco dias de exílio. Então não resisti, entrei num ônibus disposto a rever de novo, por uns dias, a ilha, abeberar-me de sua magia. E vim, pela noite, Rodovia do Café, cortando o Paraná, e varei a madrugada, BR 101, cortando o solo de Santa Catarina.

Dormia no banco desconfortável do ônibus e fui acordado quando alguém, dois bancos à frente, anunciou: Barra Velha, ao mesmo tempo em que abria uma janela.  Barra Velha era a certeza do mar próximo, então uma lufada de vento tomou-me de assalto, invadiu-me pelas narinas, foi ao cérebro,  aos pulmões, ao coração, tenho certeza de que chegou aos dedos dos pés. 

Não era um vento comum, aquilo: era uma maresia amiga, salutar. Era o cheiro litorâneo, de mar, de sal, era a substância da alma que aqui ficara e que de novo se incorporava em mim e me nutria e me fazia vibrar de vida e de alegria. Controlei-me, não ficaria bem um homem chorar em público. A gente acreditava nessas coisas, naquele tempo.

* Roberto Costa é associado do Avaí FC. Foto acima: Barra Velha/Divulgação

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