O GARNISÉ E A RAPOSA, by Roberto Costa
Há muito tempo atrás, nascera na ilha um garnisé que na pia batismal recebeu o nome de Maicon.
Pobre, ciscando daqui, ciscando dali, crescera pouco, também por contingência da raça, claro.
Tão logo começou a falar, perceberam todos que o galinho-menino
tinha uma queda natural pra falar de coisas azuis, aliás, como acordasse
sempre cedo para cantar ao fim da madrugada, o galinho Maicon entendeu
que era o seu canto que colocava o azul celeste no céu e em razão disso,
e como tivesse um ego maior que o do formiguinha Zagalo, entendeu de
achar-se alguém muito superior, muito poderoso, idéia que cultiva ainda
hoje.
Espevitado, ativo, metido, falador, começou a aparecer na
comunidade, conseguindo emprego pra falar em rádio. Como falasse com o
coração e dissesse sempre coisas em variados tons de azul, embora se
repetisse muito, com predomínio de frases pré fabricadas, ele conquistou
o coração de uma imensidão de pessoas, em especial daquelas simpáticas à
cor do céu.
Tempo houve, em que até se debateu por muitas vezes numa rinha,
em disputa brava contra um falador de cores fúnebres, sombrias,
obscuras.
Mas um dia, eis que chegou à cidade a grande novidade da
eletrônica, a magia da televisão, que mudaria do dia para a noite, a
vida do espevitado galinho, ele agora não era somente a voz, entrava com
tudo, com sua imagem pequena mas impoluta nos lares da cidade.
Um passo mais à frente na tecnologia e nosso herói já fazia pose diante das câmeras, ao vivo e a cores.
E tudo seguia na santa paz do azul do céu, até que um dia,
certamente em horas noturnas, sombrias, recebe nosso herói a visita
daquela raposa sedutora e furta-cor, que conhecera em priscas eras, nos
tempos de dureza, de sol na moleira no pasto do bode. Trazia-lhe a
volúvel figura uma proposta de emprego, mais tentadora.
Disse a raposa, calcando a pata peluda e azíaga sobre as costas de nosso herói:
- Tua cota será o dobro da que agora recebes, em milho importado, e
ainda poderás, com muito jeitinho, tás compreendendo, angariar algum
trangênico por fora.
- Aceito, claro que aceito. - Disse logo o galinho Maicon.
- Mas tem um detalhe, - disse a raposa - essa tua paixão pelo azul,
vais ter que abandonar. Vais ter que baixar o sarrafo no azul e falar
em tons de preto, verde, branco e às vezes até de um rosinha suspeito.
Vais encarar?
Nosso herói não contou duas vezes, sacou de imediato da moleira a sua frase feita preferida:
- Claro, farinha pouca, meu pirão primeiro.
* Roberto Costa é associado do Avaí Futebol Clube e a charge é do nosso saudoso amigo Mausé.
Muito boa...
A verdade em forma de prosa... e as vezes de verso... mas verdade!
E eu que não me aposento com um bom salário fico matutando: Quem será?
Bighal.
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