SER E ESTAR, by Roberto Costa

Tios meus contavam uma estória dos tempos em que as praias da Ilha eram límpidas e cheirosas, e qualquer um que se dispusesse, ainda que com uma velha tarrafa furada, poderia colher camarões frescos e se alimentar. O camarão, hoje iguaria; o peixe farto, junto à farinha de mandioca, eram elementos base da comida do antigo pobre ilhéu. 

Pois, contavam aqueles tios, que determinado cidadão jovem e afrodescendente, pobre como eles, nutrido à base dessa comida básica, fora destacado para servir o exército no Rio de Janeiro, e que de lá retornando depois de um ano, voltara exibido, cheio de balanços e malemolências da então capital federal e sobretudo falando "carioquês". Resumindo, assumira-se um carioca na província onde nascera.

Para coroar essa postura, dia houve em que, junto ao próprio pai, diante de uma das peixarias do Mercado Público, nosso herói apontou para uma pilha de camarões sete barbas e disse em bom "carioquês", alto e bom som e pronto para curtir a impressão de cidadão de mundo maior, que iria provocar: "Olha ali, papai, peixinho de barba." 

Posava de esnobe, refinado, simulava já não conhecer a trivial e prosaica comida, já não era íntimo da sua fonte básica de proteína, e sobretudo já achava que ignorar coisa plebeia seria "in." 

Mas o pai não fora ao Rio, o pai ficara e mantivera-se mané da gema e tinha amigos ali presentes que já franziam suas caras, desgostosos com a chanchada do marmanjo. Então o velho, com a didática do tapa, reagiu e mostrou ao filho que ele, filho, não era carioca, que quando muito estaria carioca, algo semelhante em termos ao posicionamento do ministro Eduardo Portela, que disse não ser, mas estar ministro, quando ocupou um ministério de Figueiredo. O velho aplicou três tabefes na cabeça do marmanjo, dizendo: "Em casa eu vou te mostrar um pouco mais o que é camarão, pra tu nunca mais esquecê, seu atolesmado."

Alguns jornalistas esportivos, sobretudo da ilha, não falam carioquês e sequer serviram o exército no Rio de Janeiro, mas fingem não entender que ser é permanência e estar é transitoriedade. Seguem dizendo que Santa Catarina tem três times de série A. Coisa de cabecinhas que precisam de uns três tabefes. Os clubes de Santa Catarina, o Avaí inclusive, quando subir, durante muito tempo apenas estarão série A. Pra ser, o buraco é bem mais acima. 

* Roberto Costa é associado do Avaí FC