quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Céu nublado a caminho da Rússia, by Eugênio Leal

Eliminatórias sul-americanas começam sem estrelas

Companheiros no Barcelona, Neymar e Messi desfalcam Brasil e Argentina. (Foto: Getty Images)
Companheiros no Barcelona, Neymar e Messi desfalcam Brasil e Argentina. (Foto: Getty Images)
Lionel Messi, Neymar, Luiz Suárez, James Rodriguez, Edinson Cavani, Enner Valencia e Charles Aránguiz: as principais estrelas do futebol sul-americano estão fora das primeiras rodadas do torneio eliminatório que vai indicar os países do continente para a Copa do Mundo de 2018. Lesões e suspensões afastam os craques do início da caminhada para a Rússia e vão exigir que as seleções mostrem que não são dependentes de seus craques. Mais uma vez o futebol coletivo será necessário. E já passou da hora do Brasil compreender isso.  
Pouco mais de um ano depois do vexame na semifinal da “nossa” Copa do Mundo o futebol brasileiro se vê diante de um novo ciclo. Nunca foi fácil chegar a um mundial de futebol, mas nós não estivemos fora de nenhum deles. Já sofremos bastante e, quando mais dificuldades tivemos, voltamos com títulos. Impossível dizer se vamos estar lá de novo, mas desta vez a preocupação é enorme.
A Copa América serviu como termômetro do que teremos pela frente, mas pode não ser referência. O último ciclo sul-americano não repetiu os resultados do torneio continental de 2011, na Argentina. Naquela edição o Paraguai foi vice-campeão e o Peru, terceiro colocado. Nas eliminatórias os paraguaios terminaram em último, os peruanos em sétimo e os campeões uruguaios foram para a repescagem. Isso porque o Brasil, sede da Copa, não participou.
As eliminatórias duram dois anos. Vão terminar em novembro de 2017. E há intervalos gigantescos entre as partidas. Alguns de até seis meses. Neste trajeto muita coisa muda nas equipes. O que podemos fazer agora é um retrato de quem chega mais forte neste início de competição e apontar as tendências de médio e longo prazo que vêm se desenhando. 
Como já dissemos, começamos com times desfigurados. Messi machucou o joelho e talvez só esteja disponível a partir da quinta rodada, Neymar está suspenso pela confusão que protagonizou no jogo contra a Colômbia na Copa América e Suárez segue pagando suspensão pela mordida em Chiellini na Copa do Mundo. O Uruguai também não terá neste início seu outro artilheiro, Cavani - também punido após a polêmica expulsão na partida contra o Chile na mesma Copa América. O campeão continental não terá por enquanto o volante Aránguiz, que sofreu uma lesão no tendão de Aquiles em sua primeira semana de treinos no Bayer Leverkusen. E o Equador não terá seu centroavante Enner Valencia, mais um lesionado. Isso sem falar nas desistências do capitão Raldes e do atacante Marcelo Moreno que estão fora, até segunda ordem, da seleção boliviana. O meia colombiano James Rodriguez, um dos destaques da Copa do Mundo, não se recuperou de problemas musculares e também foi cortado. Sem falar em outros jogadores como os chilenos Vidal e Sanchez, vistos como dúvidas pela imprensa local. Desfalques que podem mudar o panorama inicial da classificação e abrir espaço para quem estiver mais inteiro. 
FORMATO
Todos contra todos em turno e returno.
Os quatro primeiros se classificam diretamente.
O quinto colocado fará repescagem contra o quinto colocado da Ásia.
Os critérios de desempate são, na ordem: saldo de gols, gols marcados e confronto direto (somando os dois jogos entre as equipes empatadas e contando gol fora de casa para novo desempate).
Os jogos serão sempre às quintas (ou sextas) e terças (ou segundas).
A tabela é toda nova. Por pressão de países emergentes a sequência de jogos definida e mantida há anos foi modificada pois supostamente beneficiava Brasil e Argentina.
PRIMEIRA RODADA
Bolívia x Uruguai
Colômbia x Peru
Venezuela x Paraguai
Chile x Brasil
Argentina x Equador
A “Era Messi” segue sem título depois dos vices na Copa do Mundo na Copa América. Gerardo “Tata” Martino, indicado pelo craque ao Barcelona, não conseguiu se sustentar no mais alto nível do futebol mundial e ainda não foi capaz de dar regularidade à equipe portenha. O time alterna bons e maus momentos numa mesma partida e segue com dificuldades defensivas, apesar da enorme quantidade de talento do meio para frente. Mesmo inconstante é o melhor time do continente hoje. Vai estar na Copa.
Tem o técnico mais ousado e moderno do continente, o argentino Jorge Sampaoli, que os chilenos preferem chamar de “Casildense”, fazendo referência à cidade e não ao país (rival) onde ele nasceu. O Chile fez um esforço concentrado para ganhar sua primeira Copa América (que sediou) e, por isso, chega como um dos favoritos às eliminatórias. Resta saber por quanto tempo Sampaoli conseguirá manter o time focado e rendendo o seu máximo. Ainda tem contra si o fato de ter virado alvo. Todos o estão estudando e isso pode gerar dificuldades.
O Chile tem poucos jogadores de primeiro nível e perder Sanchez ou Vidal significa muito para a equipe. Há uma carência grande no comando de ataque onde vários jogadores já foram testados. Sampaoli pensou em naturalizar atletas argentinos, mas o grupo rejeitou. Tem recorrido a atletas que atuam no campeonato local.
 
O time que se destacou na Copa do Mundo não conseguiu repetir as boas atuações depois do mundial. Na Copa América seu grande feito foi parar o Brasil e irritar Neymar, mas o futebol bonito de James Rodriguez e Cuadrado ficou nos campos brasileiros. Jose Pekerman conseguiu repor a saída do veterano zagueiro Yepes com Murillo, mas a volta de Falcão ao comando de ataque não funcionou. O time tem muito potencial a explorar em nomes como Bacca, Muriel, Ibarbo, Quintero e Jackson Martinez, mas precisa voltar a jogar bem o quanto antes. 
Engana-se quem pensa que Oscar Tabarez não está reformulando a seleção uruguaia. Basta procurar nas convocações nomes como Forlán, Lugano, Loco Abreu, Gargano, Eguren, Castillo e outros. Eles fazem parte do passado. Alguns dos que estiveram na histórica campanha de 2010 na África do Sul e no título da Copa América de 2011 seguem no elenco, claro. Afinal, é um equívoco trocar todo o elenco de uma vez. A transição correta é a feita com a mescla dos jogadores experientes com os mais jovens.
Embora estejam impossibilitados de participar das primeiras rodadas, os atacantes Edinson Cavani e Luiz Suárez serão as principais referências de uma equipe que precisa aprender a conter seus nervos. Sofre demais com expulsões bobas.
Outras referências estão surgindo como o volante Carlos Sanchez, do River Plate, e o meia Lodeiro, hoje no Boca, que vem sendo preparado há anos para assumir a titularidade da equipe. Na frente Stuani ganhou corpo no futebol inglês e será um nome muito ouvido.
A nova geração está chegando através das revelações Mayada, De Arrascaeta, Jonathan Rodriguez e Rolán, por exemplo. Ainda há uma joia rara que em breve terá seu espaço: Gastón Pereiro, que foi negociado recentemente pelo Nacional para o PSV. O desafio de Oscar Tabarez será adaptar a melhor qualidade técnica da nova geração ao estilo pragmático que ele propôs a seu time e que vem dando certo desde que reassumiu a celeste.   
O time não foi bem na Copa América, mas tem muito potencial. O técnico argentino Gustavo Quinteros, que fez sucesso no Emelec, teve pouco tempo para montar uma equipe antes da última competição continental. E sofreu ao estrear contra os donos da casa e perder de forma surpreendente para a Bolívia. Mas não se pode desmerecer uma seleção que tem jogadores como o experiente Antonio Valencia pela ala direita; o excelente ponta esquerda Jeferson Montero (um dos melhores na posição atualmente); um centroavante de grande presença como Enner Valencia (que começa as eliminatórias lesionado) e a polivalência de um Miller Bolaños - que pode fazer com muita qualidade várias funções ofensivas.
Há carências defensivas, mas o grande momento que Erazo vive no Grêmio traz esperanças de que as coisas lá atrás possam se ajeitar. Um país que nas últimas décadas mudou de patamar e vem conseguindo classificações seguidas para mundiais precisa ser respeitado por muito mais do que a altitude de Quito. Tem futebol ali. 
Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Impossível imaginar que o desastre das últimas eliminatórias possa se repetir. O futebol paraguaio de clubes tem mostrado nas últimas competições internacionais que possui qualidade técnica e inteligência para voltar a disputar seu lugar num mundial. Mas isso passa pela necessária reformulação que o técnico argentino Ramon Diaz se recusou a fazer na Copa América, quando apostou em jogadores famosos que não renderam num passado recente. O time eliminou o Brasil mais uma vez, porém foi humilhado pela Argentina na semifinal.
A vez é dos novos valores como Ortigoza, Ortiz e Santander. E de dar chance a um ídolo local, o polêmico e talentoso meia armador Jonathan Fabbro, que adora brigar com seus técnicos. A questão a ser resolvida é iniciar esta transição em meio à competição. Não me parece que Diaz seja a pessoa mais indicada para esta tarefa, mas isso só o tempo dirá.
O time montado por Ricardo Gareca impressionou na Copa América. Deixou a impressão de que o treinador argentino (mais um) conseguiu dar à equipe uma consistência tática rara de se ver nas últimas seleções peruanas. O elenco é um dos que mais possuem atletas que atuam no próprio país. Isso teoricamente facilita o trabalho do treinador, mas por outro lado expõe a falta de experiência internacional da equipe.
O principal nome é o rubro-negro Paolo Guerrero que deve formar a dupla de ataque com Farfán, agora no Al-Jazira dos Emirados Árabes.  O veterano Pizarro será a sombra do centroavante do Flamengo enquanto Lobatón ditará o ritmo no meio campo. Nomes como os defensores Zambrano e Ascues, que estão na Alemanha, devem ser usados para tentar dar segurança defensiva ao time. Há anos o futebol peruano faz parte do segundo escalão da América do Sul. Será a hora de mudar este quadro? Sinceramente, não creio.
É lugar comum dizer que o futebol venezuelano é o que mais evoluiu nos últimos anos. Mas é a verdade. Até porque estava muito atrás em relação aos demais. Era, obviamente, quem tinha mais espaço para crescer. Hoje o time conta com jogadores que atuam nos centros mais importantes do mundo e trazem esta experiência para o resto da “Vinotinto”. Os dois atacantes são exemplos disso: Josef Martinez joga no Torino, da Itália, e Salomón Rondon no West Bromwich, da Inglaterra. O volante Rincón, que assume a condição de maestro da equipe após a aposentadoria de Juan Arango, atua no Genoa, também na Itália. Isso sem falar do lateral Rosales, do Málaga; do xerifão Vizcarrondo, do Nantes-FRA, e muitos outros.
O técnico é da casa: Noel “Chita” Sanvicente. Ele conduz a equipe num estilo tradicionalista fundamentado nas duas linhas de quatro e na tentativa de fortalecer o sistema defensivo. Tem bons valores individuais, mas o que funciona é o jogo coletivo. Falta ainda uma “casa” mais apaixonada que possa pressionar os adversários – arma sempre importante no futebol sul-americano. E também um pouco mais de confiança no desempenho como visitante. Acho que ainda não será a vez da Venezuela. Mas ela promete incomodar muito mais do que nas edições anteriores. 
No futebol tudo pode acontecer, mas tudo indica que a Bolívia será o saco de pancadas destas eliminatórias. Primeiro porque tem um futebol menos estruturado e desenvolvido do que maioria dos concorrentes. Depois porque possui pouquíssimos jogadores com experiência internacional. Tudo isso se soma à bagunça que é a Federação local. Para se ter uma ideia, o presidente está preso. Não só ele, como todo o primeiro escalão de sua diretoria.
Por este e por outros problemas a seleção estava sem técnico até poucos dias atrás quando Julio Cesar Baldivieso foi indicado por uma junta criada emergencialmente. O ex-jogador da seleção, que dirigiu o Universitario de Sucre na Libertadores deste ano, chegou na véspera de um amistoso em que a equipe foi goleada por 7 a 0 pela Argentina nos EUA. Para este jogo o então capitão Ronald Raldes emprestou 21 mil dólares à Federação para ajudar a custear a viagem do time.
Acontece que depois da humilhação, Baldivieso esculhambou os jogadores em entrevista coletiva e gerou um mal- estar tão grande que fez com que Raldes e o centroavante Marcelo Moreno anunciassem que estavam se afastando da seleção boliviana.
Como serão dois anos de competição, há tempo para que as coisas se acertem. Mas o que começa tão errado dificilmente há de encaixar diante de adversários mais organizados. 
A Seleção Brasileira ainda não acordou do pesadelo do “Mineirazzo”. A Copa América é a maior prova disso. Deixamo-nos enganar por resultados positivos em amistosos e mostramos nossa imensa fragilidade na hora da competição oficial. Iniciamos este longo caminho de dois anos e meio de jogos classificatórios absolutamente perdidos. A questão não passa pela convocação deste ou daquele jogador, mas sim pela filosofia de trabalho.
Em nenhum momento a CBF trabalhou em cima dessa palavrinha aí de cima. O que queremos e esperamos da seleção brasileira de futebol? O que ela representa para o esporte? Que expectativas ela gera na torcida brasileira e no resto dos torcedores de todo o planeta?
O mundo não para de se transformar. Hoje um bom produto no mercado do futebol mundial precisa de mais do que resultados. Precisa gerar frisson nos consumidores. Por isso o Bayern de Munique, tríplice coroado, foi buscar Guardiola. O clube queria mais do que vitórias, queria ser uma referência de qualidade, de beleza, de espetáculo. Os alemães queriam encantar o mundo. Todo mundo quer ver o Barcelona. Porque é um time que não “apenas” ganha: encanta.
Assim era o futebol brasileiro até alguns poucos anos atrás. Tínhamos o “futebol arte”. Inspiramos o slogan “joga bonito”, da fornecedora de material esportivo. Mas, em algum ponto, perdemos isso. Talvez o choque da derrota de 2006, quando tínhamos um grande time, tenha antecipado o processo. Ainda não consigo precisar o momento exato do ponto de virada. Acho que o fato de alguns craques como Adriano e Ronaldinho Gaúcho terem “desistido” muito cedo de suas carreiras foi decisivo no processo. Mas eles não foram os únicos “vilões”.
Nosso futebol não entendeu a revolução mundial que acontecia no esporte e permaneceu deitado em berço esplêndido. Precisou de algumas pancadas para começar a acordar. E a lição maior veio da forma mais dura possível. É verdade que nossos comandantes ainda não entenderam o que acontece no mundo, mas, aqui e ali, algumas luzes vão se acendendo. Mas não no comando da seleção.
Dunga está a léguas de ser um técnico de ponta no futebol brasileiro. Não tem currículo em clubes. Há outros muito mais experientes e qualificados do que ele. É mal preparado não só para as entrevistas e principalmente para a montagem e condução de uma equipe do peso da seleção brasileira. É o time mais vencedor da história das Copas do Mundo. Carece de alguém com enorme conhecimento de futebol. Este alguém não é ele.
E o treinador da seleção não é o maior problema. Ele é consequência da falta de compreensão de nossos cartolas da atual situação do futebol mundial. E das exigências que cercam a seleção brasileira.
* Eugénio Leal é comentarista esportivo na Super Rádio Tupi e no Fox Sports Brasil

2 Comentários:

Nelson disse...

Sobre a seleção brasileira compartilho da mesma opinião.
Nelson Andrade Filho

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