domingo, 19 de abril de 2020

EDUCAÇÃO SEXUAL, by RC


Naquele domingo de janeiro de 1954, o programador do cine Roxy teve uma idéia esdrúxula, programou o filme Gilda, com Rita Hayworth, para a matinê.  Embora um bang-bang da pesada completasse o programa, para a gurizada foi o mesmo que assistir a um filme só. O de madame Hayworth revelou-se chato, sem homem voador, sem índio, sem tiroteio, sem uma boa briga no saloon. Mas o cinema era o programa possível e o menino foi e assistiu aos dois filmes. Do segundo, por alguma razão, ficara-lhe na memória apenas as emblemáticas cenas em que madame Hayworth, inserida num vestido preto sedoso, dançava para uma platéia visivelmente excitada, mostrando partes de sua carne alva e sinuosa que resplandecia a cada movimento.  Entre meneios sensuais e requebros, ela cantou: “Put the blame on Mame, boy, put the blame on Mame...” Eram palavras desconhecidas, cuja compreensão - olhos fixos no sorriso e nos meandros da carne alva - o menino sequer teve interesse em buscar na legenda.

Terminada a sessão, o menino foi para casa e, até mesmo depois que a noite chegou, por várias vezes, na sala, no banheiro, na cozinha e até no quintal, a carne alva e sinuosa de madame Hayworth teimou em habitar sua mente.

Quando chegou a hora, como sempre, o pai recomendou: “Fazer xixi antes de dormir, pra não precisar levantar-se de madrugada”. Vencendo a irmã na corrida chegou antes dela ao banheiro e trancou-se por dentro, a rir vitorioso. Ao sair, mexeu de novo com a irmã.

Dormiam no mesmo quarto, e nessa noite algum assunto tomou fôlego entre os dois. Percebendo, o pai abriu a porta e admoestou. Tinham aula no dia seguinte, que virassem suas caras para a parede e dormissem.

Então, o inusitado veio com a madrugada. No sonho do menino madame Hayworth surgiu dançando muito nitidamente, quase ao alcance de suas mãos. Era como estar dentro do filme, que agora não tinha som.  De novo via os movimentos sensuais, o colo, os braços e as pernas alvas. Ela sorriu, avançou e envolveu-o com seus braços longos e quentes.  O corpo inexperiente do menino vibrou por inteiro e ele viu que era agradável o contato com a carne alva. Em pouco estava tomado de espasmos incontroláveis, seguidos de uma onda ardente e prazerosa que lhe desceu pelo ventre.  Conhecera a delícia que mal imaginava existir e que agora o convidava à imobilidade, à beatitude. Por alguns minutos ficou como se flutuasse, sem mover um dedo, temendo desmanchar o encanto de que estava possuído.
    
Mas o que era a coisa fria que lhe grudava o pijama à perna? Meteu a mão, era uma gosma. Seria uma purgação, como a dos furúnculos? Ergueu-se da cama sem acender a luz, zeloso por não acordar a imã. Preocupado, foi ao banheiro conferir sob a luz. Sim, era uma gosma misteriosa e clara.

Voltou ao escuro do quarto, ainda mais preocupado. A mão detectou um pouco de mancha sobre o lençol. Urinou sobre a mancha. A pecha de ter urinado na cama pareceu-lhe de conseqüências mais fáceis de suportar que a coisa inexplicável e talvez doentia que seu corpo purgara.

Dia seguinte, à mesa do almoço, enfrentou com garbo a zombaria da irmã, era o de menos.  Tinha mijado na cama sim, admitiu. Importava-lhe mais era a possibilidade de esclarecer-se sobre a coisa estranha e tratar-se.  Este sim, assunto sério, delicado, que não via como abrir-se com pai ou mãe.

Por uma semana permaneceu tolhido, sem apetite, sem gosto pelos folguedos. A mãe ainda perguntou sobre seu estado; não era nada, não tinha nada, respondeu, mas sofria, essa era a verdade, imaginava-se contaminado de moléstia grave e não atinava com alguém com quem pudesse se abrir. 

Enfim, numa manhã, casualmente encontrou-se com o Ney, o Ney que era da turma grande e até trabalhava. Havia de saber das coisas.  Quase em desespero, contou-lhe o seu drama. Súbita e contundente foi a gargalhada do amigo.

“Qual a razão do riso?” “Por que não o levava a sério?” “Não entendia a gravidade da sua situação?”

- Então tu não sabes o que foi que saiu de dentro de ti?

- Não, o que foi?

 - Foi porra, cara. É isso que faz filho na mulher, é coisa normal.

 As palavras, sem apuro pronunciadas, foram a primeira grande orientação sexual do menino.

 - É assim?

 - É claro que é.

O peito do menino inflou, ele encheu-se de vida e de luz. Agradeceu e partiu, a correr como se quisesse vencer o vento. No campinho, ele sabia, encontraria os amigos correndo atrás da bola...

* Roberto Costa, o 'RC', é associado do Avaí FC

5 Comentários:

Roberto disse...

Valeu polaco. Ficou linda a ilustração.
Abraço. RC

Everaldo disse...

Ótimo texto, só quem tem mais de cinquenta que vai entender.

Roberto disse...

Concordo, Everaldo. Mas não se pode culpar ninguém, os pais viviam a mesma época, onde tudo sobre sexo era tabu, e tinham dificuldades em falar.
Alguém que leu este texto contou que em sua cidade, pequena, do interior, uma moça ficou menstruada e fugiu pro mato, apavorada, achando que estava com doença grave. Tiveram que mobilizar várias pessoas para encontrá-la e trazê-la de volta. - RC

Carlos avaiano disse...

Bom diaaaaaa
Tem um comentário feito anos atrás de que uma esposa engravidou mesmo com o médico receitando pílula, aí questionado o médico perguntou: a Sra tomou a pílula como indiquei?
Ela responde: dr. Meu esposo tomou certinho...kkkkkk

Roberto disse...

Talvez já tenham intuído, mas não custa esclarecer. O menino do texto foi o próprio autor. - RC

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