EDUCAÇÃO SEXUAL, by RC
Naquele
domingo de janeiro de 1954, o programador do cine Roxy teve uma idéia
esdrúxula, programou o filme Gilda, com Rita Hayworth, para a matinê. Embora um bang-bang da pesada completasse o
programa, para a gurizada foi o mesmo que assistir a um filme só. O de madame
Hayworth revelou-se chato, sem homem voador, sem índio, sem tiroteio, sem uma
boa briga no saloon. Mas o cinema era
o programa possível e o menino foi e assistiu aos dois filmes. Do segundo, por alguma
razão, ficara-lhe na memória apenas as emblemáticas cenas em que madame
Hayworth, inserida num vestido preto sedoso, dançava para uma platéia visivelmente
excitada, mostrando partes de sua carne alva e sinuosa que resplandecia a cada
movimento. Entre meneios sensuais e
requebros, ela cantou: “Put the blame
on Mame, boy, put the blame on Mame...”
Eram palavras desconhecidas, cuja compreensão - olhos fixos no sorriso e nos
meandros da carne alva - o menino sequer teve interesse em buscar na legenda.
Terminada a sessão, o menino foi para casa
e, até mesmo depois que a noite chegou, por várias vezes, na sala, no banheiro,
na cozinha e até no quintal, a carne alva e sinuosa de madame Hayworth teimou
em habitar sua mente.
Quando chegou a hora,
como sempre, o pai recomendou: “Fazer xixi antes de dormir, pra não precisar levantar-se
de madrugada”. Vencendo a irmã na corrida chegou antes dela ao banheiro e
trancou-se por dentro, a rir vitorioso. Ao sair, mexeu de novo com a irmã.
Dormiam no mesmo
quarto, e nessa noite algum assunto tomou fôlego entre os dois. Percebendo, o
pai abriu a porta e admoestou. Tinham aula no dia seguinte, que virassem suas
caras para a parede e dormissem.
Então, o inusitado veio com a madrugada. No
sonho do menino madame Hayworth surgiu dançando muito nitidamente, quase ao
alcance de suas mãos. Era como estar dentro do filme, que agora não tinha som. De novo via os movimentos sensuais, o colo, os
braços e as pernas alvas. Ela sorriu, avançou e envolveu-o com seus braços longos
e quentes. O corpo inexperiente do
menino vibrou por inteiro e ele viu que era agradável o contato com a carne
alva. Em pouco estava tomado de espasmos incontroláveis, seguidos de uma onda
ardente e prazerosa que lhe desceu pelo ventre. Conhecera a delícia que mal imaginava existir
e que agora o convidava à imobilidade, à beatitude. Por alguns minutos ficou
como se flutuasse, sem mover um dedo, temendo desmanchar o encanto de que
estava possuído.
Mas o que era a coisa fria que lhe grudava
o pijama à perna? Meteu a mão, era uma gosma. Seria uma purgação, como a dos
furúnculos? Ergueu-se da cama sem acender a luz, zeloso por não acordar a imã.
Preocupado, foi ao banheiro conferir sob a luz. Sim, era uma gosma misteriosa e
clara.
Voltou ao escuro do quarto, ainda mais
preocupado. A mão detectou um pouco de mancha sobre o lençol. Urinou sobre a
mancha. A pecha de ter urinado na cama pareceu-lhe de conseqüências mais fáceis
de suportar que a coisa inexplicável e talvez doentia que seu corpo purgara.
Dia seguinte, à mesa do almoço, enfrentou
com garbo a zombaria da irmã, era o de menos. Tinha mijado na cama sim, admitiu. Importava-lhe
mais era a possibilidade de esclarecer-se sobre a coisa estranha e
tratar-se. Este sim, assunto sério,
delicado, que não via como abrir-se com pai ou mãe.
Por uma semana permaneceu tolhido, sem
apetite, sem gosto pelos folguedos. A mãe ainda perguntou sobre seu estado; não
era nada, não tinha nada, respondeu, mas sofria, essa era a verdade, imaginava-se
contaminado de moléstia grave e não atinava com alguém com quem pudesse se
abrir.
Enfim, numa manhã, casualmente encontrou-se
com o Ney, o Ney que era da turma grande e até trabalhava. Havia de saber das
coisas. Quase em desespero, contou-lhe o
seu drama. Súbita e contundente foi a gargalhada do amigo.
“Qual a razão do riso?” “Por que não o
levava a sério?” “Não entendia a gravidade da sua situação?”
- Então tu não sabes o que foi que saiu de
dentro de ti?
- Não, o que foi?
- Foi porra, cara. É isso que faz filho na
mulher, é coisa normal.
As palavras, sem apuro pronunciadas, foram a
primeira grande orientação sexual do menino.
- É assim?
- É claro que é.
O
peito do menino inflou, ele encheu-se de vida e de luz. Agradeceu e partiu, a
correr como se quisesse vencer o vento. No campinho, ele sabia, encontraria os
amigos correndo atrás da bola...
* Roberto Costa, o 'RC', é associado do Avaí FC
Valeu polaco. Ficou linda a ilustração.
Abraço. RC
Ótimo texto, só quem tem mais de cinquenta que vai entender.
Concordo, Everaldo. Mas não se pode culpar ninguém, os pais viviam a mesma época, onde tudo sobre sexo era tabu, e tinham dificuldades em falar.
Alguém que leu este texto contou que em sua cidade, pequena, do interior, uma moça ficou menstruada e fugiu pro mato, apavorada, achando que estava com doença grave. Tiveram que mobilizar várias pessoas para encontrá-la e trazê-la de volta. - RC
Bom diaaaaaa
Tem um comentário feito anos atrás de que uma esposa engravidou mesmo com o médico receitando pílula, aí questionado o médico perguntou: a Sra tomou a pílula como indiquei?
Ela responde: dr. Meu esposo tomou certinho...kkkkkk
Talvez já tenham intuído, mas não custa esclarecer. O menino do texto foi o próprio autor. - RC
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