PEQUENA CRÔNICA DO FUTEBOL, by RC

Década de sessenta. O time da nossa rua, quando necessário, adotava jogador de algum outro bairro. Não lembro de onde viera aquele que conhecêramos pela alcunha de "Nego Quido". Quido era invocado, alegre, bonachão e sonhador como todo guri que um dia correu atrás de bola.

Quido ia ser jogador de futebol profissional, e dos bons. Ele tinha certeza. A tristeza nunca predominava onde quer que o Quido estivesse. Em pouco conquistou a turma e a vaga no time.

Eis que um dia fomos jogar em Barreiros, no lendário campo do América de Barreiros. Os adversários, um pessoal que não gostava de perder. Dividiam com muita convicção, com sobras para as canelas adversárias, mas tinham também suas intimidades com a bola. De maneiras que o jogo, como esperado, tinha tudo para ser encardido. Com efeito, disputava-se palmo a palmo e tendia para um final empatado em zero a zero.

Então, por volta dos quarenta do segundo tempo o Quido foi lançado e avançou livre pela ponta esquerda.

"Entra um." - Ele gritou e cruzou a bola em direção à área.

A redonda tomou algum efeito estranho, traiu o goleiro com uma curva e foi morrer no ângulo esquerdo do gol. Foi o gol da vitória, gol que o Quido quis valorizar negando o cruzamento e alegando intenção de acertar o ângulo.

"É claro que você cruzou, pois até gritou "entra um." - Lembrou alguém.

Engasgado diante da evidência ele disse:

"Não tô nem aí, vocês pensem o que quiserem. O meu verdadeiro futebol eu vou guardar é pro Maracanã."

* Roberto Costa, o "RC", é associado do Avaí FC. Texto publicado originalmente em 09/05/2019. Arte: Internet