Elite azul e branca? - by Felipe Matos
Em recente pesquisa entre torcedores de futebol realizada pela Lupi & Associados, a pedido do Grupo RBS, ao serem
questionados sobre por qual time de Santa Catarina torciam, a maioria absoluta respondeu "Avaí".
O Leão da Ilha aparece com belos 30,6% das opções, seguido por Figueirense
(19,8%), Criciúma (11,4%), Chapecoense (10,4%) e Joinville (8,9%).
Os números ratificam outras pesquisas, de outros institutos e em anos
anteriores, que já apontavam o Avaí como o time catarinense de maior
número de torcedores e simpatizantes.
Infelizmente outros dados possivelmente levantados pela Lupi &
Associados não vieram a público, como o perfil dos torcedores de cada
time.
Em 2005, o Instituto Nexus realizou uma pesquisa sobre os times
preferidos dos florianopolitanos e além de apontar uma cidade que
compartilha duas paixões (Avaí e Figueirense, com 41,9% para cada time)
publicitou dados que ajudavam a fazer um retrato mais detalhado dos
torcedores.
Segundo o Instituto Nexus, o Figueirense teria mais torcida entre as mulheres, os mais
ricos e com maior escolaridade; enquanto o Avaí, entre os homens, os mais pobres
e com menos instrução.
Ou seja, se os números desta pesquisa estiverem certos, o cenário é
justamente o contrário do que certo senso comum costuma validar e
reproduzir. Aliás, mesmo se tal pesquisa fosse falsa, o paradigma da
existência de uma time elitista na cidade não se sustenta por si.
Há muito tempo se diz que o Avaí é um "time da elite", enquanto o Figueirense seria um "time do povão".
Tolice reproduzida pela imprensa e não rebatida pelos formadores de
opinião avaianos (existem?), que às vezes até gostam de reproduzir a
bobagem do "elite azul e branca".
Sem um mascote para chamar de seu (furacão? árvore?), enquanto o Avaí
costuma ser representado por um leão, o Figueirense geralmente é
representado por um personagem negro em charges como as de Zé Dassilva,
do Diário Catarinense, o que parece ratificar um aproximação com camadas
mais "populares".
Além da representação dos mascotes divulgados diariamente nos jornais, é
comum encontrarmos torcedores do Figueirense que alimentam essa
fantasia de serem o "time do povo".
Costumam apontar o dedo para o Avaí e falar em tom acusatório: "vocês
são um time elitista, da Beiramar norte, fundado por ricos comerciantes
como Amadeu Horn, de patronos e torcedores ricos e politicamente
influentes como Aderbal Ramos da Silva ou Esperidião Amin e por isso
tomaram posse de um bem público, o Estádio Adolfo Konder".
Tais bobagens são completadas com a ladainha de que o Figueirense foi
fundado num bairro popular - o bairro da Figueira, na Padre Roma - e
tinha como patrono um simples caixeiro viajante, Orlando Scarpelli.
Ignoram a história da cidade e do próprio clube, pois de simples
caixeiro viajante Orlando Scarpelli, na década de 40, no seu período
mais ativo como patrono do clube, sobrava muito pouco, além do tino
comercial.
Orlando Scarpelli era um rico capitalista, estabelecido no centro da
capital e dono de grande quantidade de bens e terras no Estreito, região
próspera disputada a tapas por São José e Florianópolis antes de
tornar-se definitivamente bairro florianopolitano.
A identificação do Avaí com a beiramar norte se deve provavelmente ao
Estádio Adolfo Konder, cujo espaço já era um campo de futebol utilizado
antes mesmo da fundação do Avaí. A valorização da região se deu
principalmente a partir dos anos 70, quando a especulação imobiliária
engessava grandes transformações no velho pasto do bode, tornando
qualquer obra de expansão da área do estádio muito mais cara.
Se o Avaí tomou posse de um bem público - com o consentimento dos demais
times da Federação, inclusive o Figueirense - foi porque antes disso o
Governo do Estado investiu rios de dinheiro público no estádio Orlando
Scarpelli, para transformá-lo em palco da inserção do futebol
catarinense no Campeonato Nacional.
Este fato é hoje convenientemente "esquecido". O que deve causar dores
de cotovelo é que aquilo que um dia fora um "negócio da china" (um
estádio moderno para 50 mil pessoas com dinheiro público, enquanto o
Avaí ficava com o velho pasto do bode), acabou se invertendo.
O Governo do Estado nunca concluiu o projeto do "Gigantão do Estreito",
canalizando as verbas para a construção da ponte Colombo Salles,
enquanto a especulação imobiliária supervalorizou o espaço do Adolfo
Konder, possibilitando a troca do pasto do bode pela Ressacada, estádio
mais moderno de Santa Catarina na época de sua inauguração.
Não há vítimas, nem vilões. Se o Avaí teve o seu Amadeu Horn, o
Figueirense teve o seu Orlando Scarpelli na década de 40, assim como
outros apoiadores nos seus anos de fundação. Se o Avaí tinha Fernando
Bastos, o Figueirense tinha o Major Ortiga. Se o Avaí tem Esperidião
Amin, o Figueirense possui Jorge Bornhausen e Paulo Prisco Paraíso.
Ambos se aproveitaram de beneméritos e ambos tiveram beneméritos que se
beneficiaram do clube, com velhas práticas de clintelismo político (releia aqui). Este critério não serve.
Desde as suas fundações, ambos os times possuíam em seus quadros
jogadores pobres e de classe média, negros e brancos. É preciso deixar
claro, sem deixar ruídos ou dúbias interpretações: o Avaí não é o time da elite.
Assim como não é o Figueirense. Ambos são clubes de futebol e como tal
possuem um esquadrão de torcedores ricos, milionários, pobres e
remediados. Homens, mulheres, heterossexuais e homossexuais. Brancos,
negros, amarelos, pardos, alvicelestes e alvinegros.
Querer reproduzir o mito de "time de elite" é coisa daquele tipo pequeno burguês que tem sonhos eróticos de pertencer a uma aristocracia idealizada e inexistente.
Avaianos ou alvinegros que se acham "de elite", desconhecem a realidade
ao seu redor. Não frequentam sequer as arquibancadas do próprio estádio,
vão do estacionamento privativo direto para seus camarotes ou cadeiras,
de elevador e sem escalas.
Devem passar pelo povo de olhos fechados, para não ver a chusma
incivilizada que antes de ir ao estádio calcula o preço do ingresso, o
preço da passagem ou gasolina, estacionamento, churrasquinho de gato e
cervejinha, para saber se hoje pode ir ou não a Ressacada.
Elististas e irresponsáveis, um tipo de gente que costuma perguntar aos
outros "de que família és tu" ou "quem é teu pai?", que gosta de
acreditar pertencer às tais "famílias tradicionais" (e qual família não
é, cara pálida?), que adoram inventar tataravôs ilustres em cartas
genealógicas.
Essa idealização falida de "elitismo", de quem busca construir uma imagem de si como um sujeito "diferenciado", se desnuda na política de preços e nas mensalidades dos associados.
Elitistas que sonham fazer dinheiro e alterar o "perfil de consumidores" aumentando ingressos e
mensalidades, enquanto o clube vai a falência com as arquibancadas
vazias, cheio de dívidas, com salários atrasados, contratando sessenta jogadores e não conseguindo pagar o salário de onze.
Adoram ser bajulados e sair nas fotos com "cases de sucesso" quando triunfam, mas na hora do fracasso saem-se com respostas prontas do tipo: "É difícil fazer futebol em Florianópolis..."
Justificam seus fracassos administrativos jogando a culpa na cidade,
que eles sequer conhecem, embora costumam se apresentar como donos.
Diretores avaianos: o Avaí não é o time da elite. Se não querem
ouvir a torcida, que desde 2010 clama por uma administração minimamente
profissional e realista, ouçam as vozes das pesquisas de metodologia
científica.
Somos os maiores do Estado não por sermos de elite. Somos os maiores porque somos muitos. Esta é nossa força, menosprezada por vocês. Porque
encontra-se avaianos no Morro do Mocotó e na Beiramar norte. Na
Costeira e na Agronômica. Em Florianópolis, na Serra, no Vale do
Itajaí, no Norte, no Oeste e no Sul. No Laboratório Santa Luzia e nas
filas do SUS.
Porque avaiano é da rua Bocaiúva, da Tromposwky, da Mauro Ramos. Mas, é
também do morro, é da favela, é do mangue, em maior quantidade. Quem é incapaz de compreender a dimensão popular do futebol, não pode estar habilitado a ser dirigente de um clube popular.
Os cegos do castelo da Ressacada, enclausurados em suas torres de marfim
e prestes a terem suas cabeças cortadas, gritam alucinados aos
torcedores: "que comam brioches!" Enquanto o time afunda nas dívidas criadas por eles.
* O professor Felipe "Melo" Matos é associado do Avaí Futebol Clube e proprietário do blog Memória Avaiana (http://blogmemoriaavaiana.blogspot.com/)
2 Comentários:
Torcedores alvirosados vão inundar este post de comentários.
Prezado Felipe;
Muito bom o seu texto, além de tirar a máscara criada para "rotular" esta ou aquela torcida. O esteriótipo criado, por alguns "intelectuais", foi sendo reproduzido como sendo uma verdade inquestionável e como sendo algo que tivesse surgido por conta de um decisão celestial, não cabendo nenhum tipo de interfência humana, pois o destino já estava traçado: um time ser elitista e o outro popular..
O nosso AVAÍ sempre foi popular, assim como também atingiu os endinheirados, os homens de letras e os que sequer acabaram o ensino primário, etc,etc e etc...
A prova cabal de que o AVAÍ não surgiu elitista data-se de sua fundação, pois decidiram marcar a reunião para o sábado à tarde, tendo em vista de que havia um número considerável de pessoas que queriam participar do evento, mas que força de suas atividades só poderiam comparecer no início da tarde.
Abraços;
André Luiz Rosa
Postar um comentário
A MODERAÇÃO DE COMENTÁRIOS FOI ATIVADA. Os comentários passam por um sistema de moderação, ou seja, eles são lidos, antes de serem publicados pelo autor do Blog.