sábado, 26 de maio de 2012

O PLACAR ELETRÔNICO, by Roberto Costa


Era uma vez um Placar Eletrônico, que fora construído com muito carinho, por uma agremiação. Uma vez pronto, pintaram-no com a cor das trevas e instalaram-no num local elevado do estádio, razão pela qual ele adquiriu um ar imponente, detalhe que fez aumentar o orgulho do populacho afinado com a dita agremiação.
       
Entretanto, nem tudo eram flores para o pobre engenho, ele tinha problemas insuspeitados, com os quais sofria e remoía silenciosamente, haja vista que não tinha como queixar-se deles aos técnicos que o haviam concebido. As limitações eram o seu fraco. Invejava principalmente os robôs, que - a contrário dele, um equipamento estático - podiam locomover-se.
       
Mas, com muito esforço, conseguira identificar o populacho que o prestigiava, aquela turba agitada que reverenciava nas roupas a cor preta, sua própria cor. Passou então a invejá-los, a sonhar com um dia em que pudesse sambar no meio deles, pular, usar camisa pornográfica, acender sinalizador e ter a mídia alugada a seus pés, abafando suas mazelas. Mas isso era apenas sonho, sonho inalcançável, ele não se deixava iludir, sabia-se definitivamente um artefato estático.
       
Aos poucos, porém, foi se resignando e até encontrando alegrias pelas meras atenções que recebia em dias de jogo e pelo simples fato de sentir-se útil. Podia-se dizer que era quase feliz.
       
Eis que, numa semana de outono, a desusada movimentação no estádio disse-lhe que algo especial estava por acontecer. Colocou em estado de alerta todos os seus circuitos eletrônicos, todos os seus chips, e conseguiu captar uma palavra que, de tão pronunciada, pareceu-lhe muito importante: "Clássico". Forçou mais a atenção e captou o total da mensagem importante: "Domingo é dia de clássico". Deixou-se contagiar pela emoção reinante e, tocado de ansiedade, passou a torcer para que o domingo chegasse logo, acreditando que nesse dia tão especial, O DIA DO SEU PRIMEIRO CLÁSSICO, pudesse atingir um estado de plena felicidade.

Então, o clássico chegou e ele encheu-se de júbilo. A sua turba ocupava quase todo o estádio, o que confirmava a suspeita de que estava diante de um acontecimento realmente especial. Sentiu, no visor, acenderem-se o nome de sua agremiação e o do adversário e sabia que ali seriam registrados cada gol assinalado no jogo. Alguma grande alegria estava perto de acontecer, ele acreditava. Mas os minutos foram passando e nada de gol acontecer, até que aos 32 sai o primeiro, e um comando elétrico irreprimível registra no seu  próprio visor o número um, cruelmente ao lado do nome do adversário. Ele procura desesperadamente entre os recursos de seus chips uma forma de apagar aquele incômodo dígito, ou de repassá-lo para sua agremiação, mas nada encontra. Sonha com uma lagartixa na tomada, tenta ele próprio provocar um curto circuito, um arakiri eletrônico, e nada. Do outro lado a turba zebrada, enlouquecida e babando, quer quebrar tudo.
      
Como se não bastasse, minutos depois, um novo gol e o impulso eletrônico, de novo, sem que ele possa impedir, registra o número dois ao lado do nome do adversário. Seu visor se enche de lágrimas e ele diz baixinho, com seus botões: - É triste admitir, mas O PRIMEIRO CLÁSSICO, A GENTE NUNCA ESQUECE.

* Roberto Costa é associado do Avaí Futebol Clube. Texto escrito após o clássico do "créu", em 2008, mas não publicado em qualquer blog. A foto é da final deste ano.

2 Comentários:

Anônimo disse...

TRATA-SE DE TEXTO ESCRITO NO DIA SEGUINTE AO FAMOSO CLÁSSICO DO CRÉU, VENCIDO POR NÓS, COM DOIS GOLS DE BEBETO E MUITA FESTA NO SALÃO. - Roberto Costa

André Tarnowsky Filho disse...

Roberto Costa,

Escrevi que foi após o clássico do "créu", em 2008. E te corrigindo: primeiro gol, Fabrício, segundo gol, Bebeto...

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