quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

O TEMPO DO VOO, by Jânio de Freitas

Olhavam-nos com olhos ternos e, a cada novo centímetro que adquiríssemos, diziam mais para si mesmos do que para alguém ouvir: “Meu Deus, como o tempo voa”. Uma espécie de suspiros em palavras.

Menos do que a persistência do comentário imutável, era a sua ideia que nos intrigava. Não fazia sentido. Os dias e os anos passavam lerdos e indiferentes, nem se notava o tempo. Bem, o final das férias trazia uma certa ansiedade cronológica, mas era o desejo de que o tempo fosse ainda mais lento, se possível, parasse depressa onde estava. Desejo, convenhamos, justo e justificado.

Mas não era de todo absurda a nossa estranheza com aquela história de tempo voando, sempre voando. Uma teoria científica – o que, reconheço, já é motivo suficiente para se ficar meio desconfiado – pretende que a sensação de passagem mais veloz do tempo vem de uma alteração que acomete os neurônios com a idade. Quer dizer, o tempo se atrapalha com o passar do tempo.

O tempo, seja lá o que sobre ele pensem os físicos e os filósofos desinteressados do planeta e seus habitantes, é uma ideia que a noite e o dia fizeram a gentileza de oferecer aos homens, para dar alguma ordem às suas perplexidades diante do desconhecido e incompreensível. O tempo é da família do além, da vida eterna, da alma e de outras maravilhas.

Aí estamos diante de mais um ano de mais um século desta mágica mental que é o tempo. Mas o tempo que nos diziam voar, quando nos parecia parado, era outro. Não era o tempo, era uma estranha sensação, a mais demorada das sensações que a existência nos traz. Aquele tempo nada mais é do que a sensação indescritível de que a vida se esvai. A vida, ela sim, a vida é que voa. Os que vemos chegarem, crescerem, nos avisam do nosso voo tão veloz, tão inacreditavelmente e incontrolavelmente curto.

Lá se foi, voando aos turbilhões, a passagem do século. E lá se vai, no embalo do voo, um ano a mais. Ou a menos. Dizer se foi bom ou não, exigiria dizer para quem terá sido bom ou não. E seria mergulhar nas obviedades que compõem uma prova tipicamente brasileira de que o tempo não passa. Prever se o ano próximo será bom ou não, já é mais fácil: terá, como todos os anos, coisas boas e outras não. E este é o máximo que se pode prever sem presunção.

Seja como for, passará depressa. Logo haverá outro André, outro João, e Flávia e Marina crescerão depressa, e a nós outros só compete olhá-los a todos com a melhor de nossas ternuras e dizer-nos, talvez com pesar, talvez sem lamento: meu Deus, como o tempo voa.

Os meus votos de um ano que voe com mansidão. E o agradecimento aos que me concederam, durante o voo que se completa, o seu convívio, a sua palavra de ajuda ou a atenção neste recanto.

* Jânio de Freitas – Folha de São Paulo, 30 de dezembro de 2001.

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