As finanças do Avaí em 2020: sem o acesso e com dívidas crescentes, ainda sob controle, desafio avaiano é não perder o equilíbrio
Redução do faturamento por causa do rebaixamento, somada à frustração na antecipação de uma receita, levou o clube a constrangimentos incomuns. Contas precisam voltar para o eixo
Desacostumado a ter problemas financeiros mais severos, o Avaí começou a atual temporada com um levante dos jogadores. Por causa de alguns meses em salários atrasados, eles decidiram não treinar e expuseram a situação negativa para a opinião pública.
A manifestação constrangeu o presidente Francisco Battistotti, que, faz tempo, exalta o equilíbrio financeiro como uma prerrogativa de sua administração. Com as demonstrações financeiras referentes a 2020, é possível checar quanto desse equilíbrio se perdeu até aqui.
Panorama
Resumidamente, o Avaí passa por um problema típico em clubes que sobem e descem da primeira divisão com frequência – América-MG e Atlético-GO são outros exemplos já perfilados nesta série sobre as finanças. A arrecadação oscila muito, enquanto a dívida só sobe.
A queda para a Série B não fez bem ao clube em 2020, um ano em que a pandemia ainda impôs adversidades adicionais a todo mundo. Com uma redução nas receitas de R$ 71 milhões para R$ 38 milhões, faltou dinheiro para fazer frente a todos os compromissos.
E essas dívidas aumentaram. Não houve um aumento absurdo, não tão alto quanto em muitos outros clubes do futebol brasileiro, mas em quantidade suficiente para tornar a administração mais desafiadora. O detalhamento de cada número deixará o quadro mais claro.
Receitas
A linha do balanço que causa o maior impacto nas contas do clube, em relação ao rebaixamento, é a dos direitos de transmissão. O Campeonato Brasileiro proporcionou quase R$ 50 milhões em 2019, e a Série B trouxe menos de R$ 8 milhões após deduções em 2020.
No mais, a pandemia prejudicou a receita com bilheterias. Elas praticamente zeraram. Só aí existem outros R$ 2,5 milhões em diminuição no faturamento. Esses dois itens (mídia e estádio) explicam em grande parte a redução da capacidade financeira do clube.
Na área comercial, ressalta-se que o valor de patrocínios se manteve praticamente no mesmo ponto. Tendo em vista o rebaixamento e a pandemia, é um bom sinal. Licenciamentos caíram um pouco e prejudicaram o desempenho como um todo, mas não muito.
A melhor notícia que o Avaí teve em 2020, em termos de arrecadação, foi o crescimento repentino das transferências de atletas. Essa receita foi multiplicada por dez. E o motivo tem nome e sobrenome: Gabriel Magalhães. Vendido do Arsenal para o Lille em setembro, o jogador formado na base avaiana rendeu um uma quantia generosa.
O Avaí tinha direito a 10% sobre o valor total da transferência, pois havia mantido parte dos direitos econômicos do jogador, e ainda uma fração menor a título de mecanismo de solidariedade. E esse valor seria recebido em quatro parcelas entre 2020 e 2023.
Curiosamente, essa operação ajuda a entender os apertos financeiros. A receita com a transferência do jogador teve de ser contabilizada toda na demonstração de resultado de 2020 – corretamente, como manda a contabilidade –, mas os valores não entram no caixa todos de uma vez.
No balanço, o Avaí registra esse valor como "contas a receber". Gabriel Magalhães aparece como responsável por R$ 19,7 milhões em créditos pelos direitos econômicos, além de R$ 865 mil em mecanismo de solidariedade, que pode incluir outros atletas.
O que Battistotti fez? Tentou antecipar esse valor a receber. Operações desta natureza funcionam assim: alguém (uma instituição financeira) empresta o dinheiro para o clube e fica com a receita. O Avaí recebe o valor integralmente no curto prazo, descontado um deságio, e as parcelas futuras vão para o bolso de quem emprestou.
Algum trâmite deu errado no meio do caminho. O presidente alegou que, por causa da troca de proprietário do Lille, o clube francês envolvido na negociação, o aval para prosseguir com a antecipação não chegou no tempo adequado. E aí faltou grana até para pagar os salários.
Orçado versus realizado
Também é possível compreender o que aconteceu com o clube no ano passado ao comparar projeções e realizações. Especificamente, números que a diretoria do Avaí havia previsto em seu orçamento e os que concretizou, demonstrados no balanço financeiro anual.
Em termos de arrecadação, as reduções decorrentes do rebaixamento foram planejadas com sucesso. O clube arrecadou um pouco menos em cada linha (televisão, marketing, bilheterias e associações), mas compensou com transferências de atletas, graças a Gabriel Magalhães.
A folha salarial do futebol inclui salários, encargos trabalhistas e direitos de imagem do departamento profissional. Este item é o que possui maior correlação com os resultados em campo, pois reflete, em teoria, a qualidade dos jogadores que compõem o elenco.
A administração não conseguiu manter esse custo dentro do que havia planejado. No total, foram gastos R$ 7 milhões a mais com a folha do futebol do que havia previsto em orçamento. Mesmo assim, o acesso para a primeira divisão escapou. O meio da tabela frustrou.
Ainda que a previsão para a folha não tenha sido cumprida, o Avaí não dá nenhum sinal de irresponsabilidade em suas contas. O resultado líquido terminou praticamente no "zero a zero", e o resultado financeiro, que demonstra juros sobre dívidas, também é baixíssimo.
Dívidas
Em resumo: o Avaí manteve as despesas controladas, mas perdeu receitas e teve problemas com a antecipação da verba de Gabriel Magalhães. O resultado desta combinação foi um aumento de R$ 12 milhões no endividamento do clube entre um ano e outro.
A má notícia é que, quando quebrado de acordo com o prazo, esse aumento foi mais grave do que parece. A maior parte dele está contabilizada entre dívidas que precisam ser pagas no curto prazo, isto é, em menos de um ano, no decorrer de 2021.
Quando são comparadas as variações de cada uma das pendências, fica claro que quase a totalidade disso representa salários e impostos relacionados à folha dos jogadores. Aqueles atrasos que atletas reclamaram na virada da temporada são de fato o problema.
O Avaí não é um clube afeito a empréstimos bancários – um tipo perigoso de dívida, por envolver a cessão de receitas futuras como garantias e pela cobrança de juros. E essa premissa foi mantida. Em 2020, mesmo com as dificuldades, apenas R$ 880 mil foram captados com o Banco Daycoval, a pagar até março de 2022.
Outra dívida que tem natureza quase bancária (por envolver garantias e juros) é com empresários. Eles emprestam dinheiro ao clube e impõem prazos e condições para receber a grana de volta, logicamente com um acréscimo. Neste caso, Battistotti captou quase R$ 2 milhões em 2020.
O balanço financeiro do Avaí não detalha os nomes desses empresários, nem as taxas de juros, apenas que são dívidas de curto prazo – portanto, precisarão ser quitadas no decorrer de 2021. Seria ótimo se o torcedor pudesse ter acesso a essas informações, pois a participação de empresários nem sempre é saudável para o clube de futebol.
Para completar dívidas que no gráfico abaixo são descritas como "bancárias", existem mais de R$ 11 milhões devidos a "partes relacionadas". Ou seja, pessoas que têm alguma relação com o quadro social ou a administração do Avaí. Neste caso, os valores estão contabilizado como longo prazo e não estão sendo cobrados.
Em "fiscal", estão parcelamentos de impostos não pagos no passado. Desde que a diretoria mantenha seus pagamentos em dia, não haverá grande problema. Em "outros", aparecem fornecedores e pequenas dívidas não especificadas. Por não ser um grande comprador de direitos de atletas, o Avaí não costuma ter valores relevantes nesta linha.
Dívidas não provisionadas
O Avaí tem ações judiciais (cíveis e trabalhistas) movidas contra ele em andamento. Em cada balanço, a diretoria determina a probabilidade de perda nesses processos segundo as nomenclaturas:
- "Provável"
- "Possível"
Apenas os valores de perdas "prováveis" são inseridos no passivo e consequentemente no endividamento demonstrado nos gráficos anteriores. Além deles, o Avaí possui R$ 329 mil em processos em que seu departamento jurídico considera a derrota apenas "possível". Isso significa que o endividamento pode ficar maior.
Futuro
O Avaí tem um dilema incômodo e frequente: até que ponto investir? Caso quisesse adotar uma estratégia mais agressiva para chegar à primeira divisão (e continuar nela), poderia se alavancar com dinheiro emprestado por bancos (antecipações financeiras) e empresários.
Mas seria prudente? Esta fórmula, geralmente defendida por torcedores e jornalistas, costuma ser a ruína para clubes de futebol. Investe muito, às vezes até obtém sucesso esportivo, mas quebra na sequência. Battistotti tem razão em buscar o equilíbrio das contas avaianas.
O problema é que, mesmo sem esbanjar, o Avaí está se endividando pouco a pouco. A ponto de se complicar no pagamento dos salários dos jogadores por causa de uma antecipação frustrada de recursos. Esse processo lento de deterioração pode causar complicações sérias.
Para tornar a situação ainda mais complexa, o futebol brasileiro hoje é muito mais variável. Receitas obtidas com premiações da Copa do Brasil fazem a diferença em orçamentos apertados. Subir para a primeira divisão é um negócio muito melhor do que era nos modelos anteriores de direitos de transmissão. Fatura-se mais do que no passado.
O Avaí precisaria encontrar dinheiro novo em algum lugar, ou então engatar um excelente trabalho em seu departamento de futebol para, na base da eficiência (fazer muito com pouco), chegar à primeira divisão e engrossar seu faturamento. Não há mágica que vá além disso.
1 Comentário:
Mesmo sabendo que haveria diminuição de receitas, optou por contratar diversos jogadores, até se tornar um dos maiores do mundo neste quesito. Difícil não enquadrar como uma gestão financeira irresponsável. Foram contratados jogadores com alto valor de salário e pouca efetividade, demonstrando desconhecimento do negócio praticado. Não há como passar pano...
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