UM TORCEDOR DO AVAIRENSE F.C., by Roberto Costa
Uma delícia o pirão com linguiça assada na brasa.
O João das Dores, brasileiro, natural da Costeira do Pirajubaé, casado, com quarenta anos de idade, biscateiro de profissão, residente e domiciliado num casebre de madeira carcomida no Morro do Mocotó, riu feliz e descontraído, dois dentes faltantes à frente. Festa de pobre é barriga cheia: a mulher e o filho, dedos bem lambidos, responderam à alegria.
Mas a alegria do João não vinha só do pirão com linguiça. Torcedor ferrenho do Avaírense F.C., João não estava para supérfluos. Essencial era o jogo de domingo: Avairense, o seu time do coração, contra o Vasco da Gama. Mais essencial ainda a aquisição, afinal, do rádio portátil, exatamente naquela semana, após sofrida poupança espremida do magro rendimento. Ah, o rádio portátil! Essa mágica da eletrônica, degrau da ascensão que iria fazê-lo sentir-se admitido como num clube fechado.
João entrou naquela imensa loja. Sentia-se atrapalhado, diminuído, compactado ante ao luxo exposto. Televisores, geladeiras, máquinas de lavar, pratarias, relógios, todo o conforto estonteante dos ricos ali, tão perto e tão distante. Lesse o jornal, sugerira o vendedor, o rádio viria já, do depósito. João leu a página de esportes, que é o que o jornal tem de interessante. Fora isso, bom mesmo é notícia de preço baixando. O resto é pra embrulho.
Trouxeram o rádio, João pagou, o gesto definido, redentor,a ponta de orgulho: à vista!
No domingo João saiu, faceiro de camisa listrada de azul, branco e preto e, claro, o radinho colado ao ouvido.
Entrou no Estádio Orlando Scarpelli infiltrando-se pela geral. A massa ululante ao som da fanfarra esquecia o sufoco da vida, descarregava dores, promissórias, contas vencidas. Gritavam e gritavam, sobretudo palavrões, que domingo é dia de higienizar a mente e domingo de pobre dura apenas noventa minutos.
João acomodou-se no lugar de sempre e integrou-se no coral das feras. Com toda a força dos pulmões, tão logo o juiz entrou em campo, xingou-o de ladrão e outras coisas. Bateu palmas na entrada do Avairense e vaiou o Vasco. Mas digno de registro foi o que aconteceu aos trinta e três minutos do segundo tempo, quando o Vasco ganhava por um a zero. Não é que sua senhoria, o árbitro, atendendo a um incrível aceno do bandeirinha, entendeu de anular o gol de empate do Avairense? Tumulto no gramado, tumulto nas arquibancadas, tumulto na geral, tumulto na alma do João. Inquieto, atônito, desvairado e insatisfeito de só esbravejar, João atirou um troço no bandeirinha. Ah, terrível pontaria! Atingido na cabeça o homem bambeou das pernas e beijou a grama. João delirou. Estava vingado. E veio o médico, massagista, vieram os homens da maca em socorro do bandeira. Veio também um radialista que noticiou em primeira mão aquele fato inédito: o auxiliar das laterais fora atingido com um rádio portátil!
- Como é que foi? Como é que disse aí o locutor? - Perguntou João ainda vibrando pelo seu belo arremesso.
- Jogaram um rádio no bandeirinha.
- Um rádio? Um rádio? Aí, meu Deus!
Dor aguda. A mão sobre o peito, instintiva. No calor da emoção, João não resistiu à perda irreparável. Faleceu a caminho do hospital.
O João das Dores, brasileiro, natural da Costeira do Pirajubaé, casado, com quarenta anos de idade, biscateiro de profissão, residente e domiciliado num casebre de madeira carcomida no Morro do Mocotó, riu feliz e descontraído, dois dentes faltantes à frente. Festa de pobre é barriga cheia: a mulher e o filho, dedos bem lambidos, responderam à alegria.
Mas a alegria do João não vinha só do pirão com linguiça. Torcedor ferrenho do Avaírense F.C., João não estava para supérfluos. Essencial era o jogo de domingo: Avairense, o seu time do coração, contra o Vasco da Gama. Mais essencial ainda a aquisição, afinal, do rádio portátil, exatamente naquela semana, após sofrida poupança espremida do magro rendimento. Ah, o rádio portátil! Essa mágica da eletrônica, degrau da ascensão que iria fazê-lo sentir-se admitido como num clube fechado.
João entrou naquela imensa loja. Sentia-se atrapalhado, diminuído, compactado ante ao luxo exposto. Televisores, geladeiras, máquinas de lavar, pratarias, relógios, todo o conforto estonteante dos ricos ali, tão perto e tão distante. Lesse o jornal, sugerira o vendedor, o rádio viria já, do depósito. João leu a página de esportes, que é o que o jornal tem de interessante. Fora isso, bom mesmo é notícia de preço baixando. O resto é pra embrulho.
Trouxeram o rádio, João pagou, o gesto definido, redentor,a ponta de orgulho: à vista!
No domingo João saiu, faceiro de camisa listrada de azul, branco e preto e, claro, o radinho colado ao ouvido.
Entrou no Estádio Orlando Scarpelli infiltrando-se pela geral. A massa ululante ao som da fanfarra esquecia o sufoco da vida, descarregava dores, promissórias, contas vencidas. Gritavam e gritavam, sobretudo palavrões, que domingo é dia de higienizar a mente e domingo de pobre dura apenas noventa minutos.
João acomodou-se no lugar de sempre e integrou-se no coral das feras. Com toda a força dos pulmões, tão logo o juiz entrou em campo, xingou-o de ladrão e outras coisas. Bateu palmas na entrada do Avairense e vaiou o Vasco. Mas digno de registro foi o que aconteceu aos trinta e três minutos do segundo tempo, quando o Vasco ganhava por um a zero. Não é que sua senhoria, o árbitro, atendendo a um incrível aceno do bandeirinha, entendeu de anular o gol de empate do Avairense? Tumulto no gramado, tumulto nas arquibancadas, tumulto na geral, tumulto na alma do João. Inquieto, atônito, desvairado e insatisfeito de só esbravejar, João atirou um troço no bandeirinha. Ah, terrível pontaria! Atingido na cabeça o homem bambeou das pernas e beijou a grama. João delirou. Estava vingado. E veio o médico, massagista, vieram os homens da maca em socorro do bandeira. Veio também um radialista que noticiou em primeira mão aquele fato inédito: o auxiliar das laterais fora atingido com um rádio portátil!
- Como é que foi? Como é que disse aí o locutor? - Perguntou João ainda vibrando pelo seu belo arremesso.
- Jogaram um rádio no bandeirinha.
- Um rádio? Um rádio? Aí, meu Deus!
Dor aguda. A mão sobre o peito, instintiva. No calor da emoção, João não resistiu à perda irreparável. Faleceu a caminho do hospital.
* Roberto Costa é associado do Avaí Futebol Clube. O conto acima foi escrito na década de 70 e publicado em 1979, em antologia da Editora Lunardelli. Como disse o autor, coisa do tempo em que os cabelos ainda tinham cor. E completou: "Do tempo em que eu assistia a clássicos no remendão, no meio da torcida deles, sem risco algum. Havia um pouco, bem mais, de civilização no mundo. Do tempo em que o tempo não havia ainda causado os estragos da idade nessa carcaça, que minha mãe,(coitadinha) segue dizendo que é bonita, coisa de mãe. Para não me antipatizar com metade do público da cidade, na época cunhei o time Avairense F.C." Texto publicado neste blog em 5 de março de 2013. Foto acima: Avaí / Divulgação
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